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O POLIVALENTE

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Rememorar a trajetória desse colégio não é uma tarefa fácil e nem penosa, mas é necessário realizar alguns recortes. Penso que muitos esperam encontrar nesse texto marcos de eventos realizados, de sujeitos que prestaram excelentes serviços e das principais contribuições sociais dessa instituição. Entretanto, esse texto foi constituído pela análise de notícias jornalísticas sobre o Colégio Polivalente publicadas nas primeiras décadas de sua presença entre os coiteenses. Nesse sentido, ele visa, brevemente, apresentar um passado, em geral desconhecido pelo grande público, no intuito de reforçar sentimentos de pertencimento e, sobretudo, a importância da escola pública, um dos principais aparelhos sociais de formação dos trabalhadores e seus filhos.

A Origem
 

Em 25 de setembro de 1971, o jornal A Tarde publicou a seguinte notícia “Inauguração do G. Polivalente terá presença do Governador”, referindo-se à mais nova unidade de ensino na cidade de Conceição do Coité que custou, segundo o jornal, cerca de Cr$ 700.000,00 e seria inaugurada no mês seguinte tendo a presença de diversas autoridades, especialmente de Antônio Carlos Magalhães, governador eleito indiretamente pela influência dos militares, naquele ano, o chamado “governador Biônico”.


Apesar do periódico informar sobre a inauguração do Ginásio Polivalente, totalmente construído e com as aulas marcadas para iniciarem em 1972, essa notícia do A Tarde é bastante significativa, pois apresenta importantes sujeitos ligados ao programa educacional implementado pela Ditadura Civil-Militar.


Nesse sentido, foi no regime autoritário, instalado pós-golpe de 1964, que o Colégio Polivalente de Conceição do Coité teve origem. Estava ligado à rede de Escolas Polivalente implantada em várias regiões do país, direcionada na oferta do ensino tecnicista aos trabalhadores e aos seus filhos, cujo currículo, além das disciplinas regulares, era composto de disciplinas de Técnicas Agrícolas, Industriais, Comerciais e Educação para o Lar. Suas diretrizes sugeriam o término da escolarização no 1º grau, visando preparar força de trabalho para ingresso imediato no mercado e diminuir a demanda por educação superior no país. Aspecto que gerou críticas, porque, segundo José Alfredo Araújo, “procurou formar uma ‘massa’ de pessoas obedientes para serem inseridas na produção, formando então um trabalhador flexível e facilmente controlável no novo contexto da industrialização do país”.


Em Conceição do Coité, antes do início da construção do colégio, iniciada por volta de outubro de 1970, foi realizado o recrutamento de professores interessados em ministrarem aulas nessa unidade de ensino. Durante 10 meses, os professores selecionados tiveram que participar de curso de formação destinado a instruir esses profissionais nas diretrizes político-ideológicas defendidas pelos militares com base nas relações econômicas entre o Brasil e os Estados Unidos, por meio de acordos entre o Ministério da Educação, Programa de Expansão e Melhoria do Ensino Médio e a Agência Norte-Americana para o Desenvolvimento Internacional (MEC- PREMEM/USAID).


Dessa maneira, o empenho em formar professores e a rápida construção da infraestrutura evidenciam que os colégios Polivalente foi um audacioso projeto educacional do país financiado pelo capital norte-americano que, desde a Segunda Guerra Mundial, empenhava-se em manter controle na América Latina, especialmente no Brasil, por meio da política de Boa Vizinhança. Todavia, foi nos Anos de Chumbo, que o aparelho educacional estadunidense foi implementado no país, combinado ao interesses da classe dominante, adotaram o mesmo modelo de educação utilizado nos EUA para os excluídos daquela sociedade, desconsiderando a realidade brasileira.

O Passado


Após 17 anos de inaugurado, o jornal Tribuna Coiteense publicou, em abril e agosto de 1988, as seguintes notícias: “Vamos salvar o Polivalente” e “Alunos se organizam”. As duasreportagens faziam referências sobre o descaso do poder público diante dos problemas enfrentados pela comunidade escolar do Colégio Polivalente. Além de dificuldades de manutenção, necessidade de uma reforma na infraestrutura, ampliação de salas de aula e ausência de espaços para atividades esportivas e recreativas, faltavam professores e o diretor do 2º grau de ensino, atual Ensino Médio, aspecto que ameaçava o reconhecimento desse nível de ensino, uma vez que existiam muitas aulas vagas, trazendo prejuízos para a formação dos estudantes.

As publicações do Tribuna Coiteense revelavam que o projeto educacional dos militares não alcançou grandes sucessos, falindo ainda sob o regime autoritário. Parte desse insucesso deve-se a ausência de investimentos nacionais e internacionais direcionados a essas escolas. Em 1981, o próprio Colégio Polivalente de Conceição do Coité enfrentou dificuldades para ser contemplado por uma reforma, sendo iniciada no ano posterior. Por outro lado, essas notícias evidenciam o sentimento de pertencimento a esse colégio e a sua importância para a comunidade coiteense, que diante dos inúmeros desafios, partes da sociedade entendiam a necessidade da defesa de recursos para o funcionamento dessa escola, ainda mais a defesa de uma educação pública comprometida com a formação dos filhos dos trabalhadores. 

Apesar da sua origem ser marcada pelo tecnicismo, não impediu que nesse lugar florescesse a necessidade de uma formação crítica, aspecto percebido na mobilização estudantil, que mesmo diante das deficiências de sua formação, os estudantes do 2º grau entenderam a necessidade de se organizarem em prol dos seus direitos e realizaram as seguintes ações: “fizeram uma comissão e se dirigiram à casa de Tânia Cirino, candidata a prefeita pelo PMDB, para que a mesma fosse a governadoria do Estado e tentasse resolver seus problemas”; e “estão pensando seriamente numa greve dos estudantes para pressionarem as autoridades competentes”.

A perspectiva desse pensamento crítico marca a trajetória desse colégio. No final dos anos 1980, recebeu novos professores efetivos que realizaram um significativo trabalho na formação de jovens e futuros educadores comprometidos com a realidade social dessa cidade, motivados a prosseguirem os estudos no ensino superior. 

A triste notícia da morte da estudante do 3º ano do Curso de Magistério integrado ao Ensino Médio, Maria Ferreira da Silva, de 24 anos, moradora do povoado de Domingos, na tarde de 11 de março de 1999, publicada no Jornal Coiteense, fortaleceu o debate promovido pelos professores sobre as péssimas condições de transporte dos estudantes da zona rural do município.

 

Maria Silva foi vítima de um acidente fatal a caminho do Colégio Polivalente ao cair da traseira de uma caminhonete adaptada para o transporte de passageiros, popularmente conhecido por “Pau-de-arara”, principal transporte escolar do período, ofertado, principalmente aos estudantes da zona rural. Além da comoção gerada pelo falecimento dessa estudante, as lentes da TV Cultura do Sertão, antiga emissora de televisão de Conceição do Coité, registraram a indignação de alguns professores do Polivalente que em meio a tragédia reforçaram a denúncia do descaso das autoridades competentes frente à essa precária situação do transporte escolar.

O Presente

Acredito que muitos devem pensar que essa narrativa foi muito infeliz para comemorar o quinquagésimo aniversário do Colégio Polivalente de Conceição do Coité. E podem estar certos. Entretanto, como foi apresentado, esse texto teve por finalidade apresentar um passado pouco conhecido sobre a história desse cinquentão, no intuito de fomentar reflexões sobre o papel desempenhado por esse colégio e pelos sujeitos que estiveram envolvidos na defesa e construção dessa instituição.

 

Creio que analisar essa história, através das fontes jornalísticas, lança olhares para o presente na tentativa de reconhecer que os desafios enfrentados por essa comunidade escolar na atualidade não são recentes, tendo na sua própria experiência histórica caminhos para tentar superá-los. Nesse sentido, o passado nos desperta que a defesa da educação pública é contínua e iniciada, principalmente, pelos sujeitos presentes nesse colégio. Parabéns ao Colégio Polivalente pelos seus 50 anos, parabéns para nós!

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